Eu disse ao Renato Cabral que ia virar freguês dos textos dele. Afinal, meu blog bombou de visitas no post. Então, vai mais um texto fodástico do cara.
O vídeo é por minha conta.
A última gota para a flor de um jardim morto
O que resta quando alguém vai embora e toda presença se resume àquele pó intocado sobre peças familiares, coisas que a gente mantém com o ruído da lembrança?...
Ouça. Você partiu e desde então tem sido assim por aqui: esse rastejar de cabeça baixa. Não é tristeza, é que devagar é mais fácil recolher essas cascas que caíram, esse pedaço de foto, esse recorte de pano com seu perfume, meu vaso sempre a sua espera (comigo na cama te olhando de pernas abertas); meu travesseiro entre o ventre tomando o lugar da sua coxa. E meu cabelo arrumado como nunca pela falta do sopro dos seus dedos. A casa num silêncio querendo assuntar, quebrar o gelo pra poder, quem sabe, nesses golpes de intimidade, me perguntar sobre você. Saber por onde anda... Mas como responder se a resposta também me falta?
Quando você partiu com sua pele branca e aquela burca que seus cabelos pretos faziam só pra deixar maior seus olhos de esmeraldas, eu prometi ser feliz, achando que a felicidade fosse alguma coisa como um crachá. Fiz um pra mim. Ele abria as portas da outra dimensão, onde ninguém mais chora, mas lá dentro ainda faltava algo. Faltava eu. Porque quando você foi embora, levou aquele pedaço de mim que sabia ler a língua com que a felicidade gosta de cantar. E eu fiquei surdo desde então pra isso que é sorrir. Um analfabeto de alegria. Um aleijado de amor. Por isso tateio suas coisas no quarto à procura de pistas, de um abraço. Você sabe, o pior tipo de tristeza é a felicidade que ficou pra trás. E lembrar dessa felicidade é a maldição do presente.
Naquele dia em que você, antes de partir, me bateu e gritou comigo, eu já sabia que o que restaria não seriam os berros, os roxos, as unhas cravadas na alma; nem minha vergonha por ter te feito chorar. Porque quando a nossa música soprasse os ouvidos, o mais besta dos momentos, aquele sorvete tomado no colo do outro, aquele azeite sobre nosso macarrão, aquele cheiro de bochecha rosa, tudo isso iria quebrar essa mentira que a gente inventa pra se proteger; que se chama dor.
E você foi embora. Escreveu sua carta de despedida e nunca me enviou. Fiquei sozinho duas vezes por isso. E quando ela chegou, a casa já estava se enchendo de novo, com um novo sorriso inédito. Abro agora um envelope que me faz chorar. Eu achando que o jardim já tinha secado. Por que voltou com tão poucas linhas e essas correntes no meu pescoço? Cadê sua carne aqui pra eu poder chorar em cima e riscá-la de raiva? E agora cada lágrima gruda suas letras em mim como uma praga que nunca nos fez estar longe de fato.
No final do seu testemunho eu leio: “Fim”. E me lembro dos vivos, dos adiados, dos que se partiram ao meio... e sei que todo fim pra quem ainda está aqui nunca é terminal, porque ainda podemos ir a outros lugares, a outros jardins. Quem dera houvesse um atalho pra voltar pelo mesmo caminho que eu já sei andar, o que leva até suas flores; mas não consigo mais ir por aí. Sei percorrê-lo, mas desaprendi o jeito de como eu desviava dos espinhos. Porque eu entendi o que é estar sem você, mas ainda não aprendi a ser sem você.
Por que não uma lágrima pra encerrar, pra selar a caixa das lembranças, que jorra sua hemorragia sobre meus olhos toda noite? Por que não essa lágrima que é enxurrada pra tampar tantas pegadas que ainda tatuam meu peito? E o que eu faço com esses mil suspiros e versos aqui dentro? Vão sair com o tempo?
Sua força ao ir e não me deixar voltar é uma prova ainda maior do que é o amor, que é libertar e nunca prender. Perder pra ter, pra poder ser e se encontrar. Mas nem sempre só o amor basta. Você foi única na sua beleza, na sua loucura, no jeito que me teve e que me fez te querer tanto. Não deixe a flor secar nunca. Regue-a até o fim. Porque no fim, naquele fim, em que só temos nós mesmos, eu estarei do seu lado, ou você do meu. Nos vemos por aí, pelas calhas, pelos tetos, pelas quinas e navalhas; na lama e talvez no céu, que já foi nosso berço e nosso leito, mas com um outro olhar agora, e sempre com o mesmo carinho. Um último beijo. Que ele fique grudado na alma e em tudo que for você. Fico aqui, te admirando como a flor mais rara, que aprecio sem poder mais tocar. Sempre te amei. Mas sempre te amar é um tormento que não posso mais levar.
Por Renato Cabral – só um ruminante contador de histórias.
O vídeo é por minha conta.
A última gota para a flor de um jardim morto
O que resta quando alguém vai embora e toda presença se resume àquele pó intocado sobre peças familiares, coisas que a gente mantém com o ruído da lembrança?...
Ouça. Você partiu e desde então tem sido assim por aqui: esse rastejar de cabeça baixa. Não é tristeza, é que devagar é mais fácil recolher essas cascas que caíram, esse pedaço de foto, esse recorte de pano com seu perfume, meu vaso sempre a sua espera (comigo na cama te olhando de pernas abertas); meu travesseiro entre o ventre tomando o lugar da sua coxa. E meu cabelo arrumado como nunca pela falta do sopro dos seus dedos. A casa num silêncio querendo assuntar, quebrar o gelo pra poder, quem sabe, nesses golpes de intimidade, me perguntar sobre você. Saber por onde anda... Mas como responder se a resposta também me falta?
Quando você partiu com sua pele branca e aquela burca que seus cabelos pretos faziam só pra deixar maior seus olhos de esmeraldas, eu prometi ser feliz, achando que a felicidade fosse alguma coisa como um crachá. Fiz um pra mim. Ele abria as portas da outra dimensão, onde ninguém mais chora, mas lá dentro ainda faltava algo. Faltava eu. Porque quando você foi embora, levou aquele pedaço de mim que sabia ler a língua com que a felicidade gosta de cantar. E eu fiquei surdo desde então pra isso que é sorrir. Um analfabeto de alegria. Um aleijado de amor. Por isso tateio suas coisas no quarto à procura de pistas, de um abraço. Você sabe, o pior tipo de tristeza é a felicidade que ficou pra trás. E lembrar dessa felicidade é a maldição do presente.
Naquele dia em que você, antes de partir, me bateu e gritou comigo, eu já sabia que o que restaria não seriam os berros, os roxos, as unhas cravadas na alma; nem minha vergonha por ter te feito chorar. Porque quando a nossa música soprasse os ouvidos, o mais besta dos momentos, aquele sorvete tomado no colo do outro, aquele azeite sobre nosso macarrão, aquele cheiro de bochecha rosa, tudo isso iria quebrar essa mentira que a gente inventa pra se proteger; que se chama dor.
E você foi embora. Escreveu sua carta de despedida e nunca me enviou. Fiquei sozinho duas vezes por isso. E quando ela chegou, a casa já estava se enchendo de novo, com um novo sorriso inédito. Abro agora um envelope que me faz chorar. Eu achando que o jardim já tinha secado. Por que voltou com tão poucas linhas e essas correntes no meu pescoço? Cadê sua carne aqui pra eu poder chorar em cima e riscá-la de raiva? E agora cada lágrima gruda suas letras em mim como uma praga que nunca nos fez estar longe de fato.
No final do seu testemunho eu leio: “Fim”. E me lembro dos vivos, dos adiados, dos que se partiram ao meio... e sei que todo fim pra quem ainda está aqui nunca é terminal, porque ainda podemos ir a outros lugares, a outros jardins. Quem dera houvesse um atalho pra voltar pelo mesmo caminho que eu já sei andar, o que leva até suas flores; mas não consigo mais ir por aí. Sei percorrê-lo, mas desaprendi o jeito de como eu desviava dos espinhos. Porque eu entendi o que é estar sem você, mas ainda não aprendi a ser sem você.
Por que não uma lágrima pra encerrar, pra selar a caixa das lembranças, que jorra sua hemorragia sobre meus olhos toda noite? Por que não essa lágrima que é enxurrada pra tampar tantas pegadas que ainda tatuam meu peito? E o que eu faço com esses mil suspiros e versos aqui dentro? Vão sair com o tempo?
Sua força ao ir e não me deixar voltar é uma prova ainda maior do que é o amor, que é libertar e nunca prender. Perder pra ter, pra poder ser e se encontrar. Mas nem sempre só o amor basta. Você foi única na sua beleza, na sua loucura, no jeito que me teve e que me fez te querer tanto. Não deixe a flor secar nunca. Regue-a até o fim. Porque no fim, naquele fim, em que só temos nós mesmos, eu estarei do seu lado, ou você do meu. Nos vemos por aí, pelas calhas, pelos tetos, pelas quinas e navalhas; na lama e talvez no céu, que já foi nosso berço e nosso leito, mas com um outro olhar agora, e sempre com o mesmo carinho. Um último beijo. Que ele fique grudado na alma e em tudo que for você. Fico aqui, te admirando como a flor mais rara, que aprecio sem poder mais tocar. Sempre te amei. Mas sempre te amar é um tormento que não posso mais levar.
Por Renato Cabral – só um ruminante contador de histórias.
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