sábado, fevereiro 09, 2008

Mineiro

Dizer “mineiro desconfiado” é pleonasmo. Ser mineiro não é fácil. Pode-se nascer mineiro, em Minas Gerais, mas é como uma arte. Vai se aperfeiçoando com o tempo. A observação, o aprender com os erros dos outros e com os próprios. O mineiro não se entrega de primeira. Vai devagar, “suntando”, pra só depois dizer a que veio. Eu sei como é.

Mas quem sabia mesmo era Fernando Sabino. Esse grande mineiro que tão bem escreveu sobre nós. E escrevia de uma maneira que tornava impossível deixar o livro antes do final de uma história. Quem se aventura a escrever alguma coisa, assim como eu, tem que procurar aprender com o cara.

Eu não conhecia o texto aí embaixo. Foi meu amigo Júlio Morsoletto quem enviou. O Júlio é paulista, lá do centro do estado. Mas acho que já é escolado na arte de ser mineiro.


Como é que o mineiro escolhe advogado

— Imagine o doutor que eu comprei uma fazendinha, coisa de nada. Pois não é que o meu vizinho, que tem um fazendão, não veio criar pendenga comigo por causa de um pedacinho de terra à toa? Comprei de papel passado, que diz que meu terreno vai até o riacho além da cerca dele. Ele diz que aquele pedaço é dele, por usucapião, e está ocupado há mais de trinta anos, pode provar. Plantou uma árvore lá quando chegou.

— Você tem escritura registrada, tudo direitinho, tudo em ordem?

— Tudo direitinho doutor, tudo em ordem.

— Então deixa comigo. A causa está ganha.

— E a árvore?

— Que árvore que nada. Uma árvore não prova coisa alguma.

Ele agradece a vai saindo de fininho. Parte para outro advogado, e a conversa se repete. Assim, de advogado em advogado, acaba encontrando um que se recusa a aceitar a causa:

— Usucapião é coisa séria. A posse do outro é que conta. Ele pode provar, é fácil arranjar testemunha. E tem a tal árvore que ele plantou há mais de trinta anos. O senhor vai perder na certa.

— Então é o senhor mesmo que eu quero, decide o mineiro: eu sou o outro. O da árvore.

Fernando Sabino

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